Interrogações que se querem evitar

 J.-M. Nobre-Correia

O futuro da distribuidora de jornais como o da agência de informação são postos em questão, perante uma estranha indiferença…

A notícia da mudança de acionistas da Vasp e da Lusa caiu numa quase total indiferença. O silêncio foi praticamente total, da parte dos média como dos poderes públicos, o que é significativo. Quando é o futuro mesmo da informação e dos média em Portugal que dependerá das mudanças anunciadas.

Com a venda de 33,33% do capital da Vasp pela Impresa (de Francisco Pinto Balsemão) ao Grupo Bel (de Marco Galinha), este, que controla já o Global Media Group, passa a deter 66,66% da distribuidora, conservando a Cofina (de Paulo Fernandes) os outros 33,33%. O que quer dizer que Galinha poderá decidir doravante, soberanamente, os destinos de boa parte da imprensa portuguesa. Decidindo dos custos da distribuição de diários e periódicos (não diários) e da remuneração dos editores (seus concorrentes) como dos vendedores. Decidindo também da maior ou menor extensão dos pontos de vendas das publicações e do total de exemplares que aí serão postos à venda. Pelo que se impõe o alargamento do número de acionistas da Vasp e uma maior implicação dos editores de imprensa no capital, de modo a garantir um funcionamento eficaz e equitativo.

Mas, se a mudança de propriedade da Vasp diz respeito à imprensa, já a mudança no capital da Lusa concerne a principal fonte de informação não só dos média mas também das principais instituições e empresas do país. É certo que a venda de 22,35% do capital da agência de informação pela Impresa ao Grupo Bel faz deste o detentor de “apenas” 45,71% do capital (dado que o Global Media Group, que controla, era já proprietário de 23,36%). Como é certo que o Estado continua a ser maioritário com 50,14%, a que se acrescenta 0,03 da pública RTP.

Duas interrogações se formulam, no entanto. A primeira é a de saber se o acionista público poderá continuar a presidir aos destinos da agência sem tomar em consideração as ambições de um acionista que dispõe de uma participação próxima da sua. Interrogação tanto mais pertinente quando sabemos que o Grupo Bel, para além de diversos média, congrega, diz a Wikipedia, “empresas de diversos setores, da aeronáutica e automação, à distribuição e logística, passando pela indústria, café, imobiliário”. De lá a imaginar que os critérios jornalísticos não venham a constituir a prioridade e a exigência absolutas da Lusa vai um passo facilmente transponível. Tanto mais quanto os interesses económicos e financeiros do grupo não se coadunem com os dos média em matéria de informação levada ao conhecimento dos cidadãos o mais rapidamente possível, com o maior rigor possível.

A segunda interrogação é a de saber se, em termos de agência de informação, o mundo de língua portuguesa poderá continuar a ser subalterno em relação aos mundos hispanófono, germanófono e italófono, para não falar dos de línguas inglesa e francesa? Poderá a língua portuguesa a ser a única das grandes línguas que têm a Europa ocidental como origem a dispor de uma agência sem dimensão mundial? Isto é: de uma agência capaz de cobrir a atualidade no mundo tendo em conta a sensibilidade e os interesses dos países de língua portuguesa; capaz de propor ao resto do mundo uma cobertura da atualidade com uma sensibilidade específica?

Média, instituições e empresas de língua portuguesa não podem continuar dependentes em muitos casos de agências estrangeiras. Há pois que encarar evoluções a conduzir pelo acionista maioritário da Lusa: alargar a composição do capital às diferentes componentes da paisagem mediática portuguesa (imprensa nacional e regional, rádios, televisões e média digitais); alargá-lo a média de países lusófonos; fazer entrar empresas como acionistas minoritários, ao lado de um Estado português igualmente minoritário; encarar parcerias com uma ou mais agências complementares em termos de cobertura.

Governos sucessivos têm querido ignorar uma situação que faz de Portugal um país bastante subdesenvolvido. Com um sistema de distribuição da imprensa deficiente e uma informação jornalística insuficiente. A sociedade portuguesa sendo porém o que historicamente é, só o Estado (e os seus poderes legislativo e executivo) poderá tomar as iniciativas capazes de garantir um futuro democraticamente pluralista nestes dois sectores…

Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles.

Texto publicado no diário PúblicoLisboa, 9 de janeiro de 2021, p. 16.


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