As ambições e as realidades

 J.-M. Nobre-Correia

Desde ontem, o Diário de Notícias é publicado de novo todos os dias. Mas que podemos esperar deste novo-velho jornal diário?…

Diário de Notícias voltou ontem às bancas. Todos os dias e não apenas uma vez por semana, como acontecia desde 30 de junho de 2018, primeiro aos domingos e depois aos sábados. Regozijem-nos com tal iniciativa. Que mais não seja porque são demasiado poucos os diários ditos “nacionais” publicados no país. Mas também porque não é desejável que os cidadãos disponham, como até agora, de um único diário dito “de referência”: em princípio, o pluralismo dos média e das abordagens da atualidade tem sempre algo de positivo.

O problema é o de saber se o Global Media Group dotou o jornal das condições mínimas indispensáveis para poder ser um diário “de referência” publicado sete dias na semana. Isto é: um jornal que dispõe dos meios humanos, técnicos e financeiros necessários para produzir uma sólida e pertinente cobertura (quantitativa e qualitativa) da atualidade política (nacional, internacional e estrangeira), económica, social, cultural, regional e desportiva. Aos quais haverá ainda que acrescentar os também indispensáveis meios comerciais e administrativos de promoção e de gestão.

Ora, há dias, em 7 de dezembro, o conselho de redação do Diário de Notícias chamou a atenção para o facto de os seus efetivos terem sido “brutalmente afetad[os] pelo processo de despedimento coletivo”. Pelo que considerava que “não estão neste momento reunidas as condições necessárias” para assegurar a publicação diária de um jornal “com a qualidade que o mercado e a sua história exigem”.

Atualmente, a ficha técnica do jornal alinha, com efeito, uma pequena cinquentena de nomes, dos quais apenas uns 35 “escreventes”. Ora é impossível produzir diariamente um jornal que seja uma verdadeira referência em língua portuguesa, lido com igual interesse em qualquer parte do território português (o que não é o caso de nenhum diário atual) e considerado como uma leitura diária indispensável pelos lusófonos da diáspora e dos demais países de língua oficial portuguesa, dada a qualidade exigente e rigorosa da sua informação e das suas análises, com uma redação tão diminuta.

Numa perspetiva modesta, para realizar um diário “de referência” em Portugal, publicado sete dias na semana, seriam precisos no mínimo uns 150 a 180 jornalistas técnica e culturalmente qualificados. Quando no espanhol El País eles são mais de 300 e no francês Le Monde 470. E quando se assiste ao reforço das redações de diversos grandes diários europeus, conscientes que estão de que, nestes tempos de informação em tempo real e em boa parte das vezes gratuita (em rádio, em televisão e em internet) é preciso que um jornal “de referência”, vendido em banca e cada vez mais por assinatura, proponha uma mais valia em termos de informação largamente inédita e de análise original com um percetível valor acrescentado.

A tudo isto vem juntar-se o facto de um diário, para além da edição em papel, ter hoje imperativamente que propor aos seus leitores uma edição digital e uma edição em linha regularmente atualizada ao longo das 24 horas do dia, assim como o acesso aos arquivos do jornal e aos mais diversos dados fatuais devidamente tratados em termos jornalísticos, a que terão que ser acrescentados documentos jornalísticos sonoros e vídeo. Todo um conjunto de novas exigências que, como as eventuais exceções pontuais, não podem ser assumidas por um diário com apenas uma trintena de redatores: triste evidência! Mas, ontem como hoje, não se fazem omeletas sem ovos!…

Desejemos, no entanto, bom vento ao rejuvenescido Diário de Notícias que fará 156 anos em 1 de janeiro (e não em 29 de dezembro, data do primeiro prospeto que, em 1864, o anunciava), como muito justamente o faz reparar José Tengarrinha[1]!…



[1] José Tengarrinha, Nova história da imprensa portuguesa das origens a 1865, Lisboa, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2013, p. 14. Também Mário Matos e Lemos faz indiretamente o mesmo reparo em Jornais diários portugueses do século XX: um dicionário, Coimbra, Ariadne, 2006, p. 262. De facto, como acontecia por exemplo em França, um prospeto anunciava por vezes o próximo lançamento de um novo jornal que, como no caso do Diário de Notícias, só começava a ser publicado com a periodicidade que era a sua e posto à venda pouquíssimos dias depois. Mas as direções sucessivas do Diário de Notícias temam em proclamar o 29 de dezembro como dia de aniversário…

 



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